Campo Paranapiacaba

O MacroAmb (Projeto temático FAPESP Governança Ambiental na Macrometrópole Paulista face à variabilidade climática ) visitou Paranapiacaba, distrito do município de Santo André localizado a cerca de 44 km de São Paulo. A visita foi realizada junto com o movimento SOS Paranapiacaba e permitiu o primeiro contato com a problemática que envolve a construção de um complexo logístico na região, o que vai resultar em imediatos e duradouros impactos sociais e ambientais.

As áreas onde existe o plano para o complexo logístico a ser construído foram visitados pelo grupo. A professora Silvia Passarelli da UFABC e a liderança local Israel Mário Lopes apresentaram aspectos históricos e culturais da região e o que tem sido estabelecido nos contatos com os empreendedores.

A visita teve uma etapa onde o status do licenciamento foi apresentado para as pesquisadoras(es) e comunidade local. Nessa etapa as discussões e as apresentações foram partilhadas em roda; moradoras(es) locais apresentaram seus pontos de vista e as preocupações relacionadas com a implantação do empreendimento. Muitos membros da comunidade local vivem do turismo local e da monitoria ambiental, assim, uma preocupação forte que esteve presente é o fato de que o empreendimento logístico alteraria a fonte de renda para algo incerto ao mesmo tempo que o modo de vida e o cotidiano da cidade sofreriam forte impactos. 

A pesquisadora do MacroAmb Tatiana Rotondaro (Procam-USP) coloca que o conflito de Paranapiacaba encontra-se presente de forma semelhante em muitas comunidades, pois é resultante de políticas atuantes em um nível macro. Estar em rede com outras comunidades e atores permitiria maior força política para alcançar as reivindicações estabelecidas no nível local. 

Nesse sentido, o MacroAmb em sua perspectiva interdisciplinar promove ações que leva o debate junto com a comunidade local com o fim de construir e fornecer subsídios. Os debates a partir desse caso devem fomentar discussões para outros conflitos territoriais de escopo semelhante presentes na região da Macrometrópole Paulista.

Impressões da visita

Paranapiacaba é uma vila histórica, cercada pela Mata Atlântica, localizada na beira da Serra do Mar. Em razão da localização, frequentemente a vila se encontra encoberta por uma névoa que se forma em razão da elevação da umidade costeira que ao subir a serra se condensa. Com construções em arquitetura inglesa, a vila margeia antigos trilhos de trem que são cercados por ruínas de vagões, o que resulta em um cenário bastante único. As particularidades de Paranapiacaba colocaram a vila como candidata a patrimônio da humanidade pela Unesco.

O acesso por automóveis para algumas áreas é realizada por um caminho que não é conhecido por quem é de fora. Muitas ruas são estreitas e íngremes, o que impossibilita a passagem de veículos pesados. A vila não é caminho para outros lugares. Assim, há poucos automóveis circulando na vila. 

Praticamente não há barulhos de veículos.  Não existem semáforos. O ônibus que leva para fora da vila passa de uma em uma hora. No ponto de ônibus há um estante de livros de acesso público. Os muros que dividem as casas são baixos ou inexistentes, as janelas não possuem grades e muitas portas não ficam trancadas durante o dia. Uma moradora local comenta que a criminalidade é praticamente zero. Pelas ruas, as pessoas, moradoras(es), crianças, cachorros e visitantes caminham tranquilas.

O comércio em sua maioria é realizado por moradores locais que permanece com antigos hábitos como pequenos mercados e produtos locais como os oriundos do cambuci. Não há redes hoteleiras ou franquias comerciais. No centro de informação turística o visitante é atendido por locais. Com guias locais saem caminhadas pela mata e para cachoeiras. 

Essas atividades de renda tende a reforçar a subjetividade de pertencimento ao local que se encontram. No âmbito do turismo ambiental que ocorre na vila existe uma espécie de autogestão. A demanda de visitantes é distribuída entre os diversos monitores ambientais que ao mesmo tempo que guiam para as atrações também realizam a fiscalização ambiental.

Com a chegada do empreendimento logístico, a vila passa estar exposta a outra dinâmica; novos atores sem ligação orgânica com a vila estariam presentes, muito possivelmente em maior número e com maior poder político que os moradores locais, assim a existência de processos  democráticos que visam o bem estar local estariam fortemente ameaçados. 

A alteração das vias de acesso para facilitar a entrada de veículos traria um nova dinâmica para a vila; a presença dos veículos, a agitação, a poluição sonora e atmosférica mudariam completamente a dinâmica que se encontra nas ruas. Além do mais, a estrutura das casas que são de madeiras a base de encaixes e parafusos e elevadas em palafitas para evitar a umidade que vem do solo, estariam ameaçadas com as trepidações causadas pela passagem dos veículos.

No âmbito ambiental, a mata atlântica seria impactada muito além do desmatamento imediato, no primeiro momento o efeito de borda com espécies invasoras tomaria conta da paisagem (o que é comum na mata atlântica na região do litoral paulista), sinais disso era a massiva monodominância da espécie exótica Hedychium coronarium  nos limites da floresta com a vila. O desmatamento e a presença de novas vias de asfalto também deve resultar em mudanças no microclima local. 

A imposição neoliberal como um movimento de cima para baixo ameaça o comum material e o comum que emerge da produção social. Possivelmente e como já se observa em espaços em que os moradores locais podem se expressar, a subjetividade de pertencimento conviveria com a subjetividade de revolta, o que tem levado para um momento de organização em busca de encontros com outros atores para permitir somar maior força política.

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