Análises do XXII Troféu Brasil de Atletismo

Relatório técnico em pdf

Geralmente, ao orientar seus atletas em treinos e em competições os treinadores brasileiros se baseiam na observação visual dos saltos executados. Na maioria das vezes essa forma de detectar imperfeições no desempenho são subjetivas, sendo quase impossível compará-las com observações anteriores ou com outros atletas. Em se tratando de atletas de alto rendimento, isto torna-se mais crítico pois sua performance pode melhorar por detalhes imperceptíveis a observações visuais  (Winter, 1990).

Aparentemente simples de entender, o salto em distância é um evento muito complexo quando realizado em alto nível. Apesar de praticado no mundo todo e de apresentar evidências teóricas que subsidiem a evolução e o treinamento do salto em distância, trata-se de uma prova que necessita maior compreensão dos mecanismos  envolvidos na execução da técnica. Atualmente o Brasil conta com atletas promissores nas provas de saltos como Maurren Maggi, Jadel Gregório, Thiago Carahyba e Keila Costa. O melhor entendimento do desempenho destes atletas contribuirá significativamente para uma melhor intervenção por parte de seus treinadores e conseqüentemente a melhora da performance.

O Troféu Brasil é a principal competição do país na modalidade, sendo assim reúne o que de melhor existe no atletismo nacional. Além disso esta edição marca o retorno da competição para a cidade de São Paulo, que não sediava o evento desde 1991, e a inauguração de uma nova pista, sendo a primeira da América do Sul com certificado nível 1 da Associação Internacional das Federações de Atletismo (IAAF). Isso tudo valoriza mais a competição e desta forma justifica a realização de um estudo, visto que alguns atletas brasileiros de expressão internacional que participaram do evento nunca tiveram seus desempenhos avaliados de modo mais detalhado.

Com o intuito de fornecer aos treinadores informações mais objetivas a respeito da performance de seus atletas, nós realizamos durante o XXII Troféu Brasil de Atletismo uma coleta de dados dos saltos na prova do salto em distância masculino e feminino. Através da utilização de câmeras de vídeo foram coletadas imagens dos saltos dos atletas de interesse. Após a aquisição das imagens foram realizadas em laboratório suas respectivas digitalizações e analisadas algumas variáveis de interesse como altura, velocidade e ângulo do centro de gravidade (CG) durante determinados momentos do salto. Os detalhes da metodologia empregadas para a realização das análises serão descritas mais a frente. 

METODOLOGIA

        Foram filmados um total de 11 saltos realizados pelos homens e 12 saltos realizados pelas mulheres durante a fase classificatória e a fase final do salto em distância durante o XXII Troféu Brasil de Atletismo. Foram utilizadas 4 câmeras de vídeo digital da marca JVC (GR-DVL9800) com freqüência de aquisição de 60 Hz e posicionadas em diferentes pontos da pista, conforme demonstrado na Figura 2. As câmeras 1 (C1) e 3 (C3) objetivava filmar o trecho final da corrida de abordagem o que correspondia cerca de 10 metros antes da tábua e toda a fase aérea e de aterrissagem. Já as câmeras 2 (C2) e 4 (C4) filmavam um raio de 3 m a partir da tábua, pois o momento da saída do atleta (take-off) é o mais importante para análise do salto. Foram utilizadas também células fotoelétricas para determinar a velocidade de aproximação do atleta. Estas células fotoelétricas foram posicionadas de modo que registrassem o tempo gasto pelo atleta para percorrer um espaço entre 6 m e 1 m antes da tábua de impulsão. O posicionamento das fotocélulas é demonstrado na Figura 1.

Figura 1 . Diagrama do arranjo das câmeras e das fotocélulas para análise dos saltos.

          Com a aquisição das velocidades horizontal e vertical do CG durante a saída da tábua foi feito o cálculo do ângulo de projeção através da seguinte equação (Hay, 1978) :

 

 

           O software APAS (Ariel Inc.) foi utilizado para calibração e reconstrução das coordenadas reais tridimensionais dos pontos digitalizados a partir dos vídeos das quatro câmeras. Em cada quadro do vídeo, 16 pontos no corpo do atleta foram digitalizados para representar o modelo antropométrico do corpo do atleta. Os parâmetros antropométricos propostos por Dempster foram utilizados para estimar o centro de gravidade (CG) do atleta. As seguintes variáveis cinemáticas do atleta em movimento foram analisadas: como posição, velocidade e ângulo de projeção do CG conforme descrito na Figura 2.

Figura 2 . Representação do salto horizontal e variáveis medidas.  

RESULTADOS

              A Figura 3 ilustra os principais dados obtidos para o melhor salto no momento da passagem pela tábua da atleta Maurren Maggi gerados a partir do programa APAS, onde pode-se observar duas visões da tábua de duas das quatro câmeras, uma figura de palito (stick figure) do plano sagital, deslocamentos horizontal e vertical do CG, velocidades horizontal e vertical do CG e o ângulo do joelho.

Figura 3. Principais dados obtidos para o melhor salto no momento da passagem pela tábua da atleta Maurren Maggi gerados a partir do programa APAS, onde pode-se observar duas visões da tábua de duas das quatro câmeras, uma figura de palito (stick figure) do plano sagital, deslocamentos horizontal e vertical do CG, velocidades horizontal e vertical do CG e o ângulo do joelho.

           Os dados obtidos pelas análises dos saltos válidos são demonstrados nas tabelas abaixo. Os valores demonstrados representam a distância efetiva do salto (Dsalto), velocidade horizontal de aproximação (Vxaproximação) medida pela fotocélula, velocidade horizontal de chegada (Vxchegada), velocidade horizontal de saída (Vxsaída), velocidade vertical de saída (Vysaída) e ângulo de projeção do CG no momento da saída da tábua de impulsão. Além disso são demonstrados também o maior valor, valor médio e desvio padrão para cada variável analisada. 

  

Tabela 1. Valores para as variáveis medidas (ver texto). Atleta Maurren Maggi. 

 

Tabela 2. Valores para as variáveis medidas (ver texto). Atleta Keila Costa.

Tabela 3. Valores para as variáveis medidas (ver texto). Atleta Thiago Carahyba.

Tabela 4. Valores para as variáveis medidas (ver texto). Atleta Jadel Gregório.

 

            A Tabela 5 demonstra os maiores valores dos atletas para distância efetiva do salto (Dsalto), velocidade horizontal de aproximação (Vxaproximação) medida pela fotocélula, velocidade horizontal de chegada (Vxchegada), velocidade horizontal de saída (Vxsaída), velocidade vertical de saída (Vysaída) e ângulo de projeção do CG no momento da saída da tábua de impulsão.

 

Tabela 5. Maiores valores para as variáveis medidas (ver texto) de todos os atletas.

 

Gráfico 1. Correlação entre velocidade horizontal de aproximação aferida pela fotocélula e velocidade horizontal de chegada analisada pela câmera para cada salto analisado.  A linha verde representa a divisão entre as duas velocidades mensuradas na mesma escala de valor.

 

  

Gráfico 2. Correlação entre a velocidade de chegada e de touchdown para cada salto analisado.

 

               As Tabelas 6 e 7 apresentam informações sobre o ano de nascimento dos atletas, distância efetiva dos saltos e tempo gasto para percorrer um espaço entre 6 m e 1 m antes da tábua, aferida pelas fotocélulas em todas as tentativas executadas pelos atletas do sexo masculino e feminino.

Tabela 6. Valores obtidos pelas células fotoelétricas para os atletas do sexo masculino.

Tabela 7. Valores obtidos pelas células fotoelétricas para os atletas do sexo feminino.

 Os resultados obtidos neste estudo são comparáveis aos dados relatados na literatura e permite fazer um diagnóstico do desempenho desta população. Quando comparadas as velocidades horizontais adquiridas por dois meios diferentes, como as aferidas pelas fotocélulas (Vxfotocélulas) e as obtidas através da análise cinemática (Vxtouchdown), houve correlação significativa (r=0,81 e p<0,001) como demonstrado no Gráfico 1. Quando comparadas as médias dessas duas velocidades (Vxfotocélulas e Vxtouchdown), 9,8±0,4 m/s e 9,4±0,1 m/s respectivamente, observou-se que elas foram significantemente diferentes (t(12)=2,2, p<0,0005). Apesar de investigarem momentos diferentes dos saltos, estes resultados demonstram que a velocidade média de abordagem pode ser considerada um pré-requisito importante para a produção de valores altos de velocidade no instante do touch-down. Quanto dessa velocidade pode ser conservada durante a preparação para o salto é uma questão interessante que talvez tenha relação com o nível dos atletas. 

Por outro lado quando comparadas as velocidades horizontais de chegada e de saída da tábua de impulsão obtidas através da análise cinemática, houve correlação ainda mais forte (r=0,87 e p<0,0001). Este resultado demonstrou que quanto maior a velocidade de chegada, maior era a velocidade de saída da tábua. 

Devido a carência de estudos relacionados à performance dos saltos horizontais de atletas brasileiros, houve dificuldade de comparação do desempenho destes com atletas que competiam em períodos anteriores. Nossos resultados demonstram total viabilidade para realização de análises semelhantes, portanto, torna-se fundamental o desenvolvimento de novos estudos que auxiliem os treinadores na busca do melhor desempenho de atletas brasileiros em competições internacionais. Espera-se que com estes dados o treinador possua melhores condições de intervir no treinamento e conseqüentemente buscar um melhor rendimento dos seus atletas.

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