Debate na USP reúne mulheres para discutir efeitos da COP-25

A Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-25), realizada em Madri, na Espanha, em dezembro de 2019, frustrou a audiência ao adiar um conjunto de decisões significativas para 2020, como a decisão sobre a regulamentação do mercado global de comércio de emissões de carbono. A participação brasileira, em particular, foi marcada pelo retrocesso nas políticas ambientais e na interação com outros países, na visão de especialistas como a matemática paulistana Thelma Krug, que integrou a equipe de negociadores do Brasil em fóruns internacionais sobre políticas ambientais e climáticas durante 10 anos. “A imagem internacional do Brasil não poderia estar pior”, disse ela em entrevista à revista Pesquisa FAPESP realizada em fevereiro.

Com o objetivo de destacar a perspectiva das mulheres sobre os possíveis desdobramentos da COP-25, o Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP) realizou, no dia 16/03, o seminário Mudanças Climáticas Pós-COP-25 – Perspectivas Femininas, em parceria com o projeto Latino Adapta, da Red Regional de Cambio Climático y Tomada de Decisiones, e o Grupo de Acompanhamento e Estudos de Governança Ambiental (GovAmb) do Instituto de Energia e Ambiente (IEE-USP). Seguindo orientações para evitar a disseminação do novo coronavírus (Covid-19), optou-se pela transmissão online do evento, sem a presença de público. O vídeo está disponível no site do IEA-USP: https://bit.ly/2UgbzoZ

Foto: Pedro R. Jacobi

A COP-25 foi tema de debate entre mulheres no IEA-USP*

Mediando o debate, a jornalista Gabriela Di Giulio, professora do departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP e pesquisadora do grupo Meio Ambiente e Sociedade do IEA-USP, chamou a atenção para a desconexão entre evidências científicas para adaptação e mitigação das mudanças climáticas e as negociações entre países na COP-25. “Os cientistas vem alertando, há tempos, que estamos ultrapassando os limites seguros para garantir a sobrevivência humana”, disse Di Giulio.

Ela lembrou que, não à toa, o dicionário Oxford, um dos principais em língua inglesa no mundo, elegeu o termo “emergência climática” como palavra mais relevante do ano de 2019. Segundo a publicação britânica, a expressão define uma situação em que é necessária ação urgente para reduzir ou interromper a mudança do clima e evitar danos ambientais potencialmente irreversíveis.

“A crise climática, portanto, deveria ser compreendida de maneira mais profunda. As soluções para esse problema dependem do empenho dos governos locais e nacionais, e não passa apenas pela via tecnológica”, argumentou Di Giulio, salientando que também é importante transformar comportamentos individuais e sociais que influenciam o clima.

No âmbito da gestão pública, a atuação de mulheres à frente de prefeituras pode contribuir de forma relevante para o fortalecimento da agenda ambiental nas cidades brasileiras. É o que defendeu a engenheira química Jussara de Lima Carvalho, assessora internacional para mudanças climáticas da Secretaria Estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente de São Paulo.

“Estudos recentes mostram que mulheres que ocupam cargos políticos dão mais importância para questões ambientais, como desenvolvimento sustentável, do que os homens”, informou Carvalho, citando como referência o relatório Perfil das Prefeitas no Brasil (2017-2020), lançado pelo Instituto Alziras.

A pesquisa ouviu 45% das 649 prefeitas eleitas em 2016 e mostra que as mulheres que estão à frente das prefeituras acumulam experiência na política em sua trajetória, têm mais anos de estudo do que os prefeitos homens e superam enormes desafios em municípios pequenos e sem recursos.

O estudo mostra que um tema particularmente importante na agenda das prefeitas são os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), que fazem parte da nova Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, lançada em 2015 e adotada por vários países, incluindo o Brasil. “Quando perguntadas se tinham conhecimento dos ODS, 65% das prefeitas afirmaram conhecê-los. Trata-se de um percentual alto se considerada a diversidade, dispersão territorial e porte dos municípios governados por prefeitas”, diz o estudo.

Para Carvalho, as mulheres são capazes de trazer um novo olhar para a questão do clima, justamente por terem sido mantidas afastadas das relações de negócios que alimentam o sistema capitalista – um ambiente tradicionalmente masculino. “As mulheres representam uma força que se contrapõem ao predomínio da visão exclusivamente masculina sobre assuntos como clima e desenvolvimento econômico”, diz Carvalho, mencionando nomes de mulheres que conquistaram espaço de destaque recentemente, como ativista sueca Greta Thunberg, que chamou a atenção do mundo para as mudanças climáticas.

No entanto, ela salientou que, na gestão pública, as secretarias de meio ambiente e desenvolvimento sustentável são, em sua maioria, lideradas por homens. “As perspectivas feminina e feminista precisam estar mais presentes nesses espaços de tomada de decisões, levando em consideração a diversidade das mulheres negras, quilombolas e indígenas.”

Todas as participantes do seminário chamaram a atenção para a necessidade de integração de diferentes agendas sociais, como empoderamento das mulheres, sustentabilidade e planejamento territorial. “Precisamos parar de compartimentar os assuntos, até porque as mudanças climáticas são transversais, isto é, afetam todos os setores da sociedade ao abalar a biodiversidade e o clima”, sugeriu Carvalho.

Para a especialista em relações internacionais Bruna Cerqueira, gerente de Relações Institucionais, Comunicação e Estratégia do ICLEI América do Sul, as soluções para a crise climática dependem de ações conjuntas no sentido de envolver diferentes áreas do conhecimento e atores sociais. Ela destacou o papel do ICLEI (sigla para Governos Locais pela Sustentabilidade), uma rede global de mais de 1.750 governos locais e regionais comprometida com o desenvolvimento urbano sustentável.

“É muito importante dar voz aos governos locais, uma vez que os efeitos das mudanças climáticas se expressam efetivamente nas localidades municipais, afetando o cotidiano das pessoas que vivem nas cidades”, explicou Cerqueira. De acordo ela, o momento exige esforços para entender como as cidades enfrentarão a crise atual agravada pela pandemia de coronavírus. “A doença já impacta na economia de vários países, pode provocar desemprego e prejudicar comunidades mais pobres. Sabemos que as mulheres pobres são as mais vulneráveis às mudanças climáticas. Portanto, é preciso desenvolver estratégias para lidar com os efeitos da pandemia no mundo, sem perder de vista a agenda verde”, observou Cerqueira.

As dificuldades de financiamento de mecanismos como o REDD (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), de pagamentos por serviços ambientais, foram abordadas pela advogada Luiza Muccillo, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM) do IEE-USP. “Previa-se que o quadro regulatório do REDD seria discutido na COP-25, mas isso não ocorreu”, comenta a pesquisadora.

O REDD é um mecanismo internacional, com respaldo no Acordo Mundial do Clima, que prevê a remuneração pela redução de emissões por desmatamento e degradação florestal, assim como manejo florestal e enriquecimento de estoques de carbono. Em 2015, foi criada a Comissão Nacional para REDD (Conaredd), criada pelo Decreto nº 8.576 a fim de estabelecer regras para o funcionamento desse mecanismo no Brasil, mas nos últimos anos a atuação da comissão vem sendo questionada por instituições ambientais. Instituições como Observatório do Clima, Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e o Fórum de Governadores da Amazônia Legal acusam o governo federal de limitar a participação da sociedade civil e de povos da floresta no Conaredd.

“É preciso tomar cuidado com isso”, alerta Muccillo. “Existe um esforço hoje no país para se criminalizar ONGs [organizações não-governamentais], enfraquecer políticas ambientais e atacar a pesquisa científica. Ao mesmo tempo, observa-se o avanço de propostas para legitimar práticas de degradação e diminuir a importância do Fundo Amazônia. Tudo isso pode reduzir a credibilidade brasileira no contexto do REDD”, avaliou Muccillo, que ressaltou a importância de ações da sociedade civil para garantir o monitoramento e a vigilância do poder público e de demais atores envolvidos com questões ambientais.

Um movimento que atua nesse sentido é a Liga das Mulheres pelos Oceanos, uma rede formada por mais de 270 mulheres dedicadas a potencializar ações e ideias pela proteção dos oceanos sob a ótica feminina. A Liga reúne cientistas, fotógrafas, atletas, jornalistas e outras profissionais, além de contar com um conselho técnico composto por especialistas de áreas como oceanografia, biologia e gestão ambiental. “Nossa missão é evidenciar a importância dos oceanos para a regulação do clima do planeta e defender essa pauta dentro da agenda global do clima”, disse a jornalista Paulina Chamorro, co-fundadora do movimento.

O grupo conseguiu enviar uma carta para ser lida na COP-25, defendendo a ideia de que sem oceanos não há vida na Terra. “Os oceanos já absorveram 90% das emissões antrópicas até hoje”, informou Chamorro. O excesso de poluentes na atmosfera, no entanto, impacta na saúde dos mares. Dados do Global Carbon Project, que reúne mais de 70 cientistas de 15 países, mostram que, no período de 2009 a 2018, cerca de metade do dióxido de carbono liberado vai para a atmosfera, agravando o efeito estufa. A outra metade é absorvida pelos oceanos, tornando-os mais ácidos. E a acidificação dos oceanos, por sua vez, atinge a vida marinha, reduzindo a biodiversidade dos ambientes aquáticos. “Queremos mostrar que há muitas mulheres engajadas na tarefa de preservar a vida nos oceanos. Metade da força produtiva da ciência brasileira é assinada por mulheres, e mesmo assim temos menos visibilidade do que os homens na pesquisa ambiental”, disse Chamorro.

*Foto: Pedro R. Jacobi // Créditos da imagem do destaque na home: manifestação do Youth Strike For Climate no Reino Unido em setembro de 2019 (foto: Nick Wood/Flickr).

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